A arte de escrever
Entre o que pode ser colhido de bom em tempos de quarentena, a leitura tem lugar especial. Escolhi trechos de livros que me fazem valorizar a reclusão em que estou há mais de 15 dias.
Primeiro trecho
A bela Veneza: encantos e segredos (Foto: Getty Images/Reprodução)
Paul Morand fala de Veneza em seu livro “Venises”, proporcionando conhecer os segredos e fascínios da Serenissima Repubblica di Venezia, como é chamada em italiano. Mescla o relato de sua vida com as visitas a Veneza. E mais: “São dois, Veneza e o autor. Sessenta anos ou mais de uma união sem nuvens. Veneza sempre foi fiel e ele para Veneza. Venises não é um retrato de uma cidade; é o retrato de um homem, em mil venises: um homem que não é apenas um autor.”
O mérito dessas páginas”, diz Morand, “é viver, o encontro delas é uma coleção particular, se não meu museu secreto; cada uma apresenta um dia, um minuto, um entusiasmo, um fracasso, uma hora decisiva, ou uma hora perdida. Pode ser revivida, colhida por outros, por mim, nunca mais."
O Gran Caffè Quadri: cenário de uma reflexão narcisista (Foto: Reprodução)
Evidenciando a áurea de beleza e requinte de Veneza, escreveu: “Onde, melhor que em Veneza pode Narciso se contemplar? Wagner no Caffè Quadri, escutando sua própria música....”.
Segundo trecho
Victoria Ocampo: intelectual de talento (Foto: Reprodução)
Desvendando a correspondência de Victoria Ocampo, da elite de Buenos Aires na primeira parte do século 20 e também intelectual e editora da revista Sur, com o escritor Albert Camus, encontrei relatos inteligentes e reveladores. Ela, feminista e adepta da democracia, chegou a ser detida pela oposição à ditadura de Peron. Ele, sobretudo terno e emotivo, além de igualmente paladino da democracia, fazem primorosas observações sobre os problemas da Argentina na época.
Assinalei o seguinte trecho de uma carta de Victoria, no livro “Correspondencia (1946-1959)”: “No soy nada quando no amo. Hoy em dia, la gente no es nadie quando no odia. La época lo quiere así. Estoy fuera de época.” Serve perfeitamente para o Brasil dos nossos dias. Vale a pena refletir.