Musas do teatro
Marília Pêra: belas lembranças (Foto: Reprodução)
# Entusiasmado com o teatro desde muito cedo, assisti alguns espetáculos de Dulcina e seu marido Odilon. Mantenho até hoje a impressão de fascínio pela atriz. Igual emoção me aproximou de Marília Pêra, a quem aplaudi em diversos espetáculos e com a qual tive oportunidade de conviver em muitas ocasiões. Transcrevo o depoimento de Marília Pêra a respeito de Dulcina, que fez parte do catálogo da exposição “Eternamente Dulcina, uma vida dedicada ao Teatro", na Caixa Cultural, Rio/Brasília/2009 e com curadoria de Nando Cosac. É um belo relato da história do teatro brasileiro:
"Vi Dulcina em Chuva, As Solteironas dos Chapéus Verdes, Nunca Me Deixes Ir, Sinhá Moça Chorou, As Loucuras de Madame Vidal, A Doce Inimiga, A Mulher do Outro Mundo, O Imperador Galante, Os Inocentes, Leonora, Avatar e Vamos Brincar de Amor em Cabo Frio.
Quando digo que "vi", quero dizer que assisti muitas vezes cada um desses espetáculos quando era uma menina de oito anos.
“Para quem não sabe, meus pais, o ator Manuel Pêra e a atriz Dinorah Marzullo Pêra, faziam parte da Cia. Dulcina-Odilon, que foi uma das mais importantes companhias teatrais que nosso país já produziu. Por conta das profissões de meus pais, tive a sorte extraordinária de passar boa parte de minha infância assistindo, das coxias de vários teatros no Brasil e em Portugal, aos ensaios e às encenações desses espetáculos. Vi Dulcina dirigindo peças, sugerindo ideias, ensinando e seduzindo os atores com sua graça incomparável, sua boca vermelha, suas mãos expressivas e generosas.
“Vi Dulcina no palco, poderosa, engraçadíssima, fazendo com sua mãe, Conchita de Moraes, uma dupla de requintado humor. As duas juntas apresentavam ao público verdadeiras aulas de "tempo de comédia", de "matemática" da gargalhada.
“Eu, menina, não tinha consciência desse aprendizado: só adorava ver as peças todos os dias, morrendo de rir, sorvendo aqueles ensinamentos sem me dar conta de que estava recebendo um curso intensivo de teatro.
Foi Dulcina quem me deu um velocípede, numa época em que um velocípede não era um brinquedo a que qualquer criança tivesse acesso. Nunca a vi triste ou de mau humor. Sempre engraçada, sempre sorrindo, sempre gentil, humilde.
“Dulcina era humilde. Em Coimbra, Portugal, vi os estudantes jogando ao chão suas capas pretas para que ela passasse por cima. Ela fazia pequenos e engraçados discursos, sempre muito simpática, muito comunicativa.
“Quando a companhia Dulcina-Odilon foi para Portugal, meus pais foram também e me levaram. Na ida, passamos 13 dias a bordo do navio “Ana C". Na travessia do Equador, os que estavam fazendo aquele trajeto pela primeira vez eram "batizados" na piscina do navio. Dulcina foi "batizada" e empurrada para dentro da piscina, rindo muito e pedindo que a jogassem “um pouquinho mais pra lá", em local menos fundo. Estava muito bonitinha de maiô branco. Havia um filme caseiro de 16 milímetros feito por meu pai, registrando esses momentos, mas um secretário distraído permitiu que um técnico desavisado perdesse tal filme.
“Meus olhos de menina sempre a enxergaram linda.
Ela e Odilon mantinham uma impenetrável relação de cumplicidade. Minha visão de Dulcina, ou da companhia Dulcina-Odilon é, mesmo com o passar dos anos, inevitavelmente, a de uma menina. Dulcina era um pouco "menina", também criada nos palcos, nascida de uma família de atores.
“Sei que Odilon era um grande administrador da companhia, um grande apoio de Dulcina, e quando ele morreu, ela sentiu muitíssimo a falta desse companheiro.
Depois que me tornei atriz, quando sabia que Dulcina se encontrava na plateia, meu coração se enchia de amor.
Dediquei vários dos espetáculos que participei a ela, e creio que, pela vida afora, enquanto Deus me permitir exercer com vigor minha linda e árdua profissão, todas as vezes em que o público explodir numa gargalhada sonora ou me homenagear com seu aplauso caloroso, vou lembrar dela: elegante, palhaça, linda, doce e querida Dulcina.”
Marília tinha Dulcina como referência desde sua infância (Foto: Reprodução)
Dulcina de Moraes (Foto: Reprodução)
Em 1939, Dulcina foi agraciada com a medalha do mérito da Associação Brasileira de Críticos Teatrais (ABCT) como melhor atriz do ano pelo conjunto da obra (Foto: Reprodução)
Dulcina foi responsável pela criação da Fundação Brasileira de Teatro (FBT), depois transformada na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, em Brasília (Foto: Reprodução)
No detalhe: Dulcina sendo maquiada (Foto: Reprodução)
Dulcina com o gaúcho Renato Restier na peça “Chuva”, de Somerset Maughan. Dulcina interpretou uma inesquecível Sady Thompson (Foto: Reprodução)