Relatos da Rua da Igreja
A fachada de azulejos portugueses mostra o estilo dos casarões do século 19 na Rua Duque de Caxias (Foto: Alexandre Heckler)
# A fachada de azulejos portugueses no número 876 da Rua Duque de Caxias, então chamada de Rua da Igreja, que sobreviveu, completava com outra casa igual, onde atualmente existe o edifício de nº 888. No gradil que arremata a fachada existente, consta o ano da construção, 1863. As casas foram construídas pelo empresário Francisco de Lemos Pinto Filho, casado com sua prima irmã Maria Benta Aviz de Menezes. Ambos muito dedicados à família e de tendência liberais em termos políticos. Ele era filho de Francisco de Lemos Pinto, da região de Braga, norte de Portugal, e cujo apelido era Chico Inglês, tendo se dedicado ao comércio e à navegação no Guaíba e seus afluentes. Com esta finalidade, mantinha um estaleiro na ilha fronteira a Porto Alegre, que leva seu nome. Os negócios da família, um grande armazém na Rua da Praia, com outra frente na Rua Sete de Setembro, proporcionou a Francisco, filho, associar-se aos fundadores do Banco da Província, um dos mais antigos do Brasil.
Trabalho do artista Nabuco de Barcellos, datado de 1967, mostra a esquina da Rua da Igreja com a rua General João Manoel. O perfil da casa de azulejos com suas pinhas foi registrado pelo artista (Foto: Arquivo Pessoal)
# O casal criou seus inúmeros filhos na morada, que ficava junto à Rua General João Manoel, cujo entorno Nabuco Bernardi de Barcellos recriou num desenho que vocês podem conferir acima, incluindo o perfil da casa dos Lemos Pinto.
As pinhas da Fábrica de Santo Antônio do Porto completavam as fachadas das casas (Foto: Alexandre Heckler)
Nádia Raupp Meucci iniciou o registro fotográfico da arquitetura e detalhes dos casarões do Centro Histórico. Na foto, os ladrilhos que compõem a fachada existente (Foto: Alexandre Heckler)
O artista Albino Grünheuser montou vasos com ladrilhos retirados da demolição da outra morada (Foto: Alexandre Heckler)
# As casas eram encimadas por pinhas de dois tamanhos, das quais existem as três que foram fotografadas e fazem parte deste relato. Nádia Raupp Meucci fez um registro dos azulejos das fachadas, procurando preservar a memória do Centro Histórico.
# A partir do final do século 19, a casa passou a ser ocupada pela família Martins Costa, que veio do Norte para se instalar em Porto Alegre.
Dona Maria Benta Aviz de Menezes Lemos Pinto viveu em uma das moradas da Rua da Igreja (Foto: Arquivo Pessoal)
# Um relato ajuda a conhecer o pensamento e tendências do casal Maria Benta e Francisco, antiescravagistas por formação. Entre os escravos da casa, o cozinheiro Custódio, assim como os demais, tinha tratamento benevolente. Dotado de grande qualidade no preparo das refeições da casa, era desejado pelos demais familiares do casal. Ao completar 60 anos, Custódio solicitou um horário para coletar donativos, visando adquirir sua carta de alforria, como a lei proporcionava. Francisco de Lemos Pinto Filho ouviu a solicitação e lhe garantiu que seria alforriado no final daquele ano, 1888, e que não tinha necessidade de buscar auxílio para comprar sua liberdade. A Lei Áurea chegou em maio, e Francisco preparou a carta de alforria para todos os servidores, entre eles, Custódio. Esse, por sua vez, ao ser solicitado para receber a liberdade, negou-se a aceitar dizendo: “Ajustamos minha saída para dezembro e vou cumprir o tratado, independente da Lei...” A maioria dos serviçais preferiu ficar acompanhando a família por muitas décadas.